Doutorando de História da UPF acessa o Arquivo Secreto do Vaticano
O doutorando Anderson José Guisolphi pesquisou no maior acervo católico do mundo, na Itália
Chegar pertinho da maior coleção documental do mundo é privilégio para poucos. Mas a persistência do doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo (PPGH/UPF) Anderson José Guisolphi foi um dos motivos que o levou até o Arquivo Secreto do Vaticano, localizado na Cidade do Vaticano, na Itália. O Arquivo tem cerca de 85 quilômetros lineares de prateleiras com documentos que registram a história da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) e suas relações internas e externas ao longo de vinte séculos.
Em latim, o nome é Archivum Secretum Apostolicum Vaticanum, ou seja, refere-se ao arquivo privado ou pessoal do Vaticano. Entre os documentos tornados públicos, estão o da excomunhão de Martinho Lutero e a Carta da condenação de Galileu, por exemplo. O acesso ao acervo é prioritário ao governo da Igreja e, em segundo lugar, aos estudiosos. O Papa exerce em primeira pessoa a jurisdição suprema e exclusiva do local. O patrimônio documental preservado cobre um período cronológico de aproximadamente doze séculos (séculos VIII-XX), consiste em mais de 600 arquivos e se estende por 85 km lineares de prateleiras. Desde que o Papa Leão XIII, em 1881, abriu suas portas aos estudiosos, o Arquivo Secreto Vaticano tornou-se um centro de pesquisa histórica entre os mais importantes e famosos do mundo.
Guisolphi acessou os arquivos para sua pesquisa de doutorado. Seu estudo é sobre a biografia de Dom Carlos Costa, um bispo da Igreja Católica Romana que foi excomungado em 1944, no Rio de Janeiro, em razão das suas ideias, já que era assumidamente comunista. Ele fundou a Igreja Católica Apostólica Brasileira. Seus seguidores o chamam de São Carlos do Brasil. “A pesquisa foi iniciada em 2014, após a conclusão do mestrado em História na UPF. Estou em fase de elaboração da tese, sistematização de documentos e redação, em preparação à qualificação do trabalho. A previsão de defesa é para o segundo semestre de 2020”, pontuou o doutorando.
Depois de percorrer os estados de São Paulo e Rio de Janeiro em busca de documentos sobre Dom Carlos, o pesquisador descobriu que as informações sobre seu objeto de pesquisa foram levadas para o Arquivo Secreto do Vaticano. “Foi um longo período de busca de documentos dos arquivos brasileiros, especialmente no Arquivo Arquidiocesano em São Paulo e também no Arquivo da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Mas, devido à escassez documental, o desafio foi ir em busca do maior acervo católico no mundo, no Vaticano”, revelou Guisolphi.
O caminho até o Arquivo
O doutorando revelou que a solicitação ao Vaticano é feita por e-mail e o pesquisador responde a um questionário sobre a sua vida pessoal e acadêmica e sobre suas intenções de pesquisa. A resposta foi concedida a Guisolphi em uma semana.
Ao chegar no Vaticano, em Roma, o pesquisador passa por algumas abordagens e mais uma entrevista antes de acessar o acervo “secreto”. Não é permitido levar nenhum material ou objeto para as salas de pesquisa, que oferecem lápis e papel. “Para acessar as Salas de Estudo do Arquivo, é necessário obter o cartão de admissão, emitido pelo Escritório de Aceitação. Os itens pessoais são deixados em um armário. É proibido entrar nas Salas portando pastas, canetas, marcadores, câmeras, celulares, comida ou bebida, entre outros itens. Roupas decentes e sóbrias são necessárias, como convém ao ambiente do Arquivo Secreto Vaticano. E o silêncio é absoluto”, explicou o doutorando.
A visita ao Arquivo foi feita em duas etapas: a primeira em julho de 2018 e a segunda em janeiro de 2019. Ao buscar pelos documentos sobre Dom Carlos, o pesquisador teve uma surpresa: os arquivos referentes ao Papado de Pio XII ainda não estão disponíveis para pesquisa. Mesmo assim, Guisolphi conseguiu pesquisar sobre outros tópicos que ajudaram a contextualizar o seu estudo. “O pesquisador pode solicitar no máximo três arquivos por dia. Cópias dos trechos são possíveis, mas os artigos devem ser descritos com precisão e aprovados por um conselho. As cópias, se autorizadas, são enviadas para o e-mail do pesquisador, cerca de uma semana após a solicitação”, observou Guisolphi.
O pesquisador é obrigado a enviar à Prefeitura do Vaticano uma cópia de cada publicação na qual os documentos do Arquivo Secreto Vaticano são citados. Caso contrário, um novo acesso ao Arquivo não será permitido. Mesmo com tantas restrições, o doutorando incentiva outros pesquisadores a buscar o acesso ao Arquivo do Vaticano. “Muitos pesquisadores e leigos acham que é impossível pesquisar no Vaticano. Quero mostrar que não é impossível”, comentou o doutorando do PPGH.
Acesso pioneiro
A orientadora do doutorando, professora Dra. Gizele Zanotto, revelou que Guisolphi é o primeiro aluno do Programa de Pós-Graduação em História da UPF a acessar o Arquivo Secreto do Vaticano. “Para nós, do Programa e do curso de História da UPF, esse acesso é pioneiro. É mais um trabalho de doutorado que vai explorar não só o conhecimento sobre o catolicismo no Brasil, mas também essas relações do Brasil com o mundo. Entendendo a Igreja Católica, entende-se mais sobre o cenário político, social e cultural brasileiro, marcado por essa Instituição até os dias de hoje”, ressaltou a orientadora do trabalho.
Fotos: Natália Fávero