O ensino universitário brasileiro precisa viver uma ruptura
Atividades em grupos, multidisciplinariedade, diferentes avaliações e o desafio de buscar conhecimento para resolver problemas reais. É com base em algumas dessas metodologias, que o professor Dr. Messias Borges Silva vem transformando as salas de aula do Brasil. Doutor em Engenharia Química e docente na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Silva atua há cerca de dez anos desenvolvendo ações voltadas à melhoria da qualidade do ensino superior no país. Na noite de quarta-feira, 12 de fevereiro, o professor conversou com os docentes da Universidade de Passo Fundo durante a Aula Magna, atividade que integra a ação de formação Presença UPF, marcando o início do ano letivo na Instituição.
O trabalho desenvolvido por Silva é baseado nas experiências adquiridas em universidades internacionais, como, por exemplo, a Universidade de Harvard – onde atua como visiting scientist – o Massachusetts Institute of Technology (MIT), a Universidade de Stanford e a Olin College. Além disso, o professor também atua como consultor de empresas e é acadêmico da Academia Brasileira de Qualidade (ABQ). Na UPF, o pesquisador abordou o tema “Experiências universitárias transformadoras”.
Professor há 38 anos, Silva contou que levou 25 para mudar sua postura como docente. “Pelo menos 40% dos meus alunos levavam bomba nas minhas disciplinas. Alguns, inclusive, foram embora por minha causa”, contou. A mudança veio após conhecer o pesquisador Richard Feynman, considerado o educador do século. “Ele disse uma vez que, partindo da ideia de que o aluno quer aprender, se ele não aprende, a culpa do professor. A partir daí eu comecei a pensar melhor na educação”, lembrou.
Coração aberto
Desde esse momento e ao longo dos últimos anos, Silva visitou algumas das melhores universidades do mundo buscando experiências transformadoras. De acordo com ele, o aluno hoje não consegue prestar atenção e a aula se tornou algo desinteressante, chato. “O ensino superior brasileiro está em um momento em que precisa haver uma ruptura. No próximo ano, vamos começar a receber a geração centennial na sala de aula, uma geração mais responsável, mais focada, o público será diferente e esse modelo educacional universitário não funciona com eles”, pontuou.
Para o professor, uma das alternativas, é abrir as universidades para o mundo externo. “A universidade brasileira é fechada ao extremo. No MIT, por exemplo, há uma interação gigante com o mundo externo, uma interação que flui o ano inteiro. Eles têm linhas de pesquisa que atendem às demandas externas. Quando você dá um problema real para os alunos, a coisa muda de figura. Nós estamos produzindo profissionais para o mercado”, ressaltou.
Inclusive, a utilização de problemas reais é uma de suas apostas em sala de aula. Na opinião do professor, é preferível enxugar o currículo e ter mais tempo para explorar as competências de cada estudante. Outra metodologia usada pelo docente é a de não aplicar provas. Em algumas de suas disciplinas, a avaliação é feita por meio de atividades em grupos em toda as aulas e a nota é dada tanto pelo professor, quanto pelo próprio acadêmico, que precisa avaliar com os colegas quem mais contribuiu para o resultado final. “Tudo que o estudante faz pontua positivamente”, completou.
Apesar de já ter colocado em prática muitas dessas metodologias, o professor ressaltou que ainda existem mais dúvidas do que soluções práticas para compartilhar. “Precisamos construir juntos. As nossas experiências estão sendo construídas ainda e nós temos muito mais perguntas do que respostas, mais desafios do que soluções. Cabe a nós começar a construir essas soluções e compartilhar com os demais”, frisou. O primeiro passo, na avaliação de Silva, está em o professor buscar inspiração e formação para fazer essa transformação. “O Brasil precisa de mais gente bem formada e, para isso, o professor precisa estar de coração aberto e descer do pedestal”, concluiu.
Caminhada coletiva
Além de dar início ao semestre, a Aula Magna de 2020 marcou a abertura do Presença UPF, evento que também oferecerá um espaço de discussão, interação e proposição de soluções pedagógicas para os professores. Nesta quinta-feira, 13, ocorrem atividades ao longo de todo o dia com foco nas relações ensino-aprendizagem e inovações metodológicas. Já na sexta, dia 14, serão realizados trabalhos em grupos sobre currículos e reformas curriculares.
Na abertura, a reitora professora Dra. Bernadete Maria Dalmolin definiu o evento como uma caminhada coletiva. “O Presença UPF inicia nesse momento formalmente, mas ele já iniciou há algum tempo com a escuta sensível de vocês, com vocês, com nossos estudantes, e ele continuará. A proposta é que tenhamos um programa continuado que vai dialogar com nossos currículos e também com toda essa interação que fazemos nesse grande espaço de desenvolvimento da educação no norte do estado”, disse acrescentando que o termo presença representa a existência, a necessidade. “Significa dizer que todos e cada um é imprescindível para que esse momento de formação e de qualidade acadêmica aconteça da melhor maneira possível”, completou.
O evento também foi o momento escolhido para apresentar o novo Programa de Formação Docente da UPF. O programa tem como principal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de aperfeiçoamento, seja ele de natureza técnica, pedagógica, ética ou política. “A questão é: como é possível pensar a formação de professores a partir de um método que prima pela reflexão sobre a prática? Que sejamos contaminados pelo espírito da interdisciplinaridade, da multiprofissionalidade, da integralidade e da ação docente qualificada”, destacou o vice-reitor de Graduação professor Dr. Edison Alencar Casagranda.
Também estiveram presentes no evento os vice-reitores de Pesquisa e Pós-Graduação professor Dr. Antônio Thomé; de Extensão e Assuntos Comunitários professor Dr. Rogerio da Silva; e Administrativo professor Dr. Cristiano Cervi, além do presidente da Fundação Universidade de Passo Fundo (FUPF) professor Me. Luiz Fernando Pereira Neto.